Jornal do Psicólogo

Tuesday, September 27, 2005

Urgências brasileiras é tema de conferência

Júnia Leticia

Militante do movimento estudantil em 1968, o sociólogo carioca César Benjamin passou à clandestinidade em 1969, durante a ditadura militar. Aos 17 anos – em agosto de 1971 –, foi preso e passou cinco anos na cadeia. Em setembro de 1976, foi expulso do Brasil. Durante seu exílio, viveu na Suécia, até 1978, quando retornou e reintegrou-se ao movimento pela redemocratização do país. Em 1979, após a anistia, César Benjamin participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, do qual foi dirigente nacional até 1995, quando se desfiliou.

Em sua vida profissional, já trabalhou na Fundação Getúlio Vargas, na Escola Nacional de Saúde Pública, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. Atualmente, ministra aulas de Desenvolvimento Técnico para executivos no BNDES. Além de centenas de artigos, publicou os livros E o sertão, de todo, se impropriou à vida: um estudo sobre a seca no Nordeste (Petrópolis, Vozes, 1985, em colaboração com Sergio Góes de Paula), Diálogo sobre ecologia, ciência e política (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1992, terceira edição), A opção brasileira (Rio de Janeiro, Contraponto, 1998, nona edição), entre outros. Durante o V COREP, o sociólogo proferiu palestra sobre Urgências brasileiras e respostas às necessidades sociais, assunto que, devido à sua importância, se estendeu durante a entrevista.

Jornal do Psicólogo – Qual é a maior urgência brasileira?
César BenjaminEu começo a imaginar uma hipótese de que um dos elementos da nossa crise contemporânea é a crise da nossa própria identidade, que ameaça os fundamentos da nossa construção teórica que nos deu, em um certo momento da nossa história, a idéia do nosso sentido. Atualmente, nós vivemos em um vôo cego. Não temos mais o nosso respeito. Talvez essa seja a maior urgência.

JP – Qual é – ou era – a nossa identidade?
CBTivemos quatro obras, em seqüência, no intervalo de dez anos, que permitiram pela primeira vez a constituição de uma identidade brasileira. Gilberto Freire vai falar do nosso potencial cultural, Sérgio Buarque das novas condições de construção da cidadania, Caio Prado vai anunciar o sentido da nossa história e Celso Furtado vai tratar da modernização na nossa cultura. Com isso, e com a soma das contribuições dos demais autores da época, construímos, pela primeira vez, a idéia da nossa identidade, do nosso potencial, de nossos problemas e um certo controle sobre os movimentos culturais que nos faziam transitar pelo passado e pelo futuro. Essa é a melhor teoria que nós temos de nós mesmos. Quem éramos nós? Nós éramos um povo filho da modernidade, cuja identidade não era dada pela religião, pela raça, pela condição imperial... Era uma cultura de síntese. Nós éramos antropófagos culturais. Tudo que existia no mundo e caía aqui dentro, comíamos, deglutíamos e ficava um pouco no nosso próprio corpo. Um país que estava encontrando o seu jeito. Não era o jeito bretão, anglo-saxônico, branco. Era o seu jeito de ser moderno. Isso vai dar Macunaíma, no terreno mítico; isso vai dar Garrincha, no terreno real. Quem era o Garrincha? Era o sujeito que tinha tudo para dar errado. Fazia tudo errado dentro de campo e tudo dava certo.

JP – Atualmente, o brasileiro tem vergonha de si mesmo?
CBNão. Eu acho que o Brasil, ao longo de sua história, viveu um processo de construção da sua identidade e essa identidade está em xeque. Hoje, na crise brasileira, ela está sendo questionada e isso coloca para o povo brasileiro uma disjunção, uma necessidade de um posicionamento histórico diante de si mesmo. Decidir o que ele é e o que ele quer ser no século XXI: se um povo, uma nação solidária e soberana ou um mercado para o grande capital internacional.

JP – Com toda essa pressão, você acha que o povo brasileiro acabará reagindo?
CBSó há duas possibilidades: ou o povo brasileiro aceita que isso aqui não é mais uma nação, ou nós vivemos dessa experiência, vamos até à beira do precipício, vemos o que é a nossa desconstrução, o que isso acarreta e dizemos não, nós não queremos esse caminho, nós queremos ser nação. E essa discussão está sendo colocada pela história. Mas eu acho que nós vamos optar por ser nação, não temos outra saída.

JP – Há como prever o futuro social do Brasil?
CBNós não podemos compreender o sentido de uma crise antes. É o futuro que diz qual foi o papel da crise. A capacidade preditiva das Ciências Sociais é igual a zero. Tudo o que o cientista social pode fazer é organizar melhor os dados do passado para que a compreensão dessas experiências nos permita olhar o presente de uma maneira mais crua.

JP – Para o psicólogo, qual é a importância de uma conferência que discute esse tema?
CBAcho que abordei, durante minha exposição, questões de interpretação do Brasil e de identidade brasileira. Eu acho que os psicólogos, sendo profissionais da interpretação e da construção da identidade, teriam muita contribuição nesse debate.

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