Jornal do Psicólogo

Thursday, September 29, 2005

Alternativas ao sistema prisional são discutidas em seminário

Júnia Leticia

Para discutir de forma ampla e heterogênea o sistema prisional, com a participação dos poderes constituídos, iniciativa privada e agentes sociais, o Conselho Regional de Psicologia – 4ª Região, por meio da Comissão de Direitos Humanos (CDH), promoveu o seminário Sistema Prisional – Um questionamento ao modelo e desafios aos direitos humanos. O evento, realizado nos dia 17 e 18 de agosto no Instituto de Educação de Minas Gerais, teve o intuito de questionar os problemas do atual modelo prisional.

A conferência de abertura, intitulada Políticas Públicas e Criminalidade, foi proferida pelo doutor em Sociologia, coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor do Departamento de Sociologia e Antropologia e dos programas de mestrado em Sociologia e doutorado em Sociologia e Política da UFMG, Cláudio Beato. Segundo ele, o seminário é resultado de uma preocupação crescente do que fazer em relação à violência. Para Beato, primeiramente é necessário que se desfaçam alguns mitos que paralisam os fazedores de políticas que acham que não se pode perder tempo com estudos e avaliações para se compreender o grave fenômeno da violência. “Realmente os problemas são muito grandes, mas provavelmente ficarão piores por causa da nossa falta de compreensão sobre o que acontece”, ressaltou.

Antes de tudo, a conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Rosimeire Aparecida, disse que o evento é mais um dos desafios que a Psicologia tem se colocado já há algum tempo. “Questionamos as prisões hoje, porque questionamos antes os hospícios. Essa evolução de pensamento crítico dentro da Psicologia tem nos colocado na vanguarda de temas que nem sempre são os mais cômodos de serem discutidos”, enfatizou. Com relação às prisões, Rosimeire Aparecida diz que apesar de o modelo “organizar” nossa sociedade, essa forma de pensar a infração não deve ser a única resposta. “Esse desafio é colocado no seminário. Devemos pensar respostas possíveis para aquilo que excede, transgride e infringe as normas”, lembrou.

Psicanalista, coordenadora clínica do Pai-PJ/TJ-MG e doutoranda em Sociologia e Política pela UFMG, Fernanda Otoni, considerou positivo no seminário a abertura para a pluralidade de opiniões. Com relação ao sistema prisional, a psicanalista apontou o modelo como fracassado, desde a sua criação. “Os encarcerados são miseráveis e o sistema de privação de liberdade promove silenciosamente a exclusão de indivíduos da sociedade”, ressaltou.

A desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Jane Silva, disse que o crime é um problema social e como tal precisa ser resolvido na sociedade em que ele ocorre. “A pena de prisão foi considerada em uma época da humanidade como uma evolução da punição. Pensou-se em um determinado momento que o encarceramento poderia ser salutar porque os monges ficavam recolhidos às celas para melhor refletir e saírem de lá mais santificados”, ilustrou. Depois a pena de prisão passou a ser consagrada pela sociedade como uma forma de punição, esclareceu a desembargadora. “Entretanto, um dos fundamentos da nossa Constituição é a dignidade humana. Mas que república federativa é essa que coloca 80 pessoas em um espaço que mal cabem 10? Não foi a Constituição que deu dignidade aos homens. Os homens têm dignidade porque são homens”, ressaltou.

Participante da mesa Execuções Penais, a advogada, assessora da Comissão Pastoral de Direitos Humanos da Arquidiocese de Belo Horizonte e colaboradora da Polícia do Estado de Minas Gerais, Clarissa Duarte falou sobre os direitos assegurados pela Constituição Brasileira. “Somente o Estado tem o poder, o dever e o direito de julgar. No capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais, ela diz que nenhuma lei pode excluir qualquer ameaça ou lesão da apreciação do Poder Judiciário. Excetuado aqueles casos, por exemplo, do julgamento do presidente da República, quando acusado do cometimento de crime de responsabilidade e outras raríssimas exceções, a regra é essa”, esclareceu. Para que os presos tenham acesso a seus direitos, Clarissa Duarte disse ser fundamental o acesso à Justiça. “Não existe desenvolvimento sem compromisso social”, argumentou.

A abordagem social das penas também foi levantada pelo advogado pós-graduado em Ciências Penais, juiz do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Alexandre Victor de Carvalho. “Temos de ser tolerantes para recuperar os indivíduos, humanizar a pena e melhorar a sociedade”, frisou. O juiz ainda alertou para o fato do sensacionalismo nos meios de comunicação. “A imprensa tende a esquecer-se das políticas públicas de saúde, de educação, além de não discutir o sistema penitenciário, fazendo um estardalhaço enorme sobre a gravidade de um crime e do autor do delito”, ressaltou.

O advogado especialista e mestrando em Ciências Penais, e professor de Direito do Instituto Doctum, Guilherme Augusto Portugal Braga, também fez referência à mídia. “Na sociedade de massas, a cultura da violência constrói o terror político através de imagens que difundem medo e horror”, informou. Segundo o advogado, os meios de comunicação, principalmente a televisão, assumem o papel de principal método de controle social. “Nada melhor para o exercício de um jornalismo que pretende informar com um mínimo de esclarecimento os fatos no calor dos acontecimentos, sem se permitir indagações relevantes, mas revelando uma clara estratégia de formação de um consenso”, opinou.

Proferida pelo bacharel e mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Filosofia pelo Fiele Universitaet Berlin, Oswaldo Giacóia Júnior, a conferência de encerramento teve o tema Privação de Liberdade: Razão, Ideologia e Exclusão. Ele fez um apanhado histórico do sistema prisional, apontando as configurações das relações de poder. “O surgimento do Estado-nação, a configuração moderna da soberania – que é característica ao mesmo tempo do poder regulamentar e disciplinar – e o surgimento histórico das delegações pertencem à mesma configuração histórica. A minha sugestão é que leiamos o fenômeno prisional precisamente do marco desses registros teóricos”, disse.

Humanização das penas alcança grande êxito

Um dos modelos que alcança resultados efetivos e satisfatórios na recuperação de condenados foi dado pelo desembargador e coordenador do Projeto Novos Rumos na Execução Penal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Joaquim Alves de Andrade. O desembargador explicou como a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), surgida em São José dos Campos (SP), em meados da década de 1970, funciona na recuperação de presos e proteção da sociedade.

As ações da Apac destinam-se exclusivamente a assistir o condenado nas áreas familiar, educacional, de saúde, de bem-estar, de profissionalização, reintegração social, recreação e assistência espiritual. Segundo o desembargador, a Apac é uma instituição da comunidade na qual não há intervenção dos governos. “Na minha opinião, as Apacs, mais que prisões, são escolas nas quais os presos não perdem sua identidade”, enfatizou Joaquim de Andrade.

Com a ajuda de voluntários, as Apacs têm mostrado resultados muito superiores às prisões convencionais. “Enquanto nelas, o índice de recuperação é de 91%, nas penitenciárias é de 15%”, informou. Outro ponto importante nas Apacs é a valorização do ensino. “Trata-se de uma escola de fraternidade, onde uns ajudam os outros. Na APAC de Itaúna, por exemplo, não há analfabetos. E os melhores resultados no Telecurso 2000 na cidade foram dos recuperandos”, comemorou o desembargador.

Após conhecer o trabalho desenvolvido nas Apacs, o desembargador Joaquim de Andrade está convencido que ninguém nasce bandido. “A família desajustada, a periferia, a falta de trabalho que acabam levando a pessoa ao crime. Nas Associações vemos que eles têm muita boa vontade para trabalhar”, verificou.

O trabalho das Apacs também foi elogiado pelo bacharel em Letras Clássicas e em Psicologia e doutor em Psicologia pela UFMG, além ? pela Psychologie e Psychologie Pathologique pelo Institut de Psychologie-Universidade de Paris, Célio Garcia. Segundo ele, o tratamento aos presos tem de começar pelo particular, assim como nas Apacs. “É através daí que o indivíduo se reconhece como parte da política total”, comentou.

Outra alternativa ao sistema prisional foi apresentada pela psicóloga, psicanalista, coordenadora do Programa Liberdade Assistida e aderente da Escola Brasileira de Psicanálise de Minas Gerais, Cristiane Barreto. “No programa, o acompanhamento é marcado pela prática de um debate democrático entre as famílias e os poderes envolvidos”, enfatizou. Um dos trabalhos realizados pelo programa abrange o suporte social e psicológico de adolescentes infratores.

O seminário também contou com a participação da Secretária de ?? Estado do Rio de Janeiro, Tânia Kolker. Ela abordou o Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário, lançado em ??? pelo Governo Federal, que garante à população prisional o direito à atenção integral à saúde, que cria o sistema de financiamento e controle das ações de saúde do sistema penitenciário. “Essa nova política pode começar a escrever uma outra história no tratamento da questão prisional. Ao longo dos anos a prisões brasileiras foram se consagrando como filiais do inferno, em simples depósitos humanos”, verificou.

OLHO: O preso no Brasil é uma indústria. Essas grandes penitenciárias de segurança máxima que existem por aí são ótimas para o sindicato da construção civil, fabricantes de colchão e empresários fornecedores de quentinhas.
Desembargador Joaquim Alves de Andrade

0 Comments:

Post a Comment

<< Home